Acho que sofro do efeito "Dom Casmurro", e se eu não voltar às minhas sessões com o psicanalista as coisas podem ir de mal a pior. Bom, pra quem não lembra, Dom Casmurro é a obra prima, e talvez o livro mais famoso de Machado de Assis, escritor brasileiro do século XIX que revolucionou a nossa literatura nacional. O livro conta a história de amor entre Bentinho e Capitu, e se desenrola num relato autoral do Casmurro (bentinho) num imbróglio de interpretações infinitas a respeito de se Capitu cometeu adultério, traindo-lhe com seu melhor amigo, ou se tudo isso não passa de expressões (ou projeções?) de um ciúme exagerado, corroborado por desconfianças sem sentido e justificado por uma fixação insana com Capitu, por parte de seu marido; agravado logicamente pelo senso machista possessivo burguês daqueles tempos.
Sempre fui apaixonado por essa
obra e pela construção literária dela, e acredito que isso tenha feito com que em
minha vida houvessem alguns capítulos tão parecidos com os dela, e até
surpreendentemente descritos em algumas de suas páginas. Confesso que já fui
vítima de uma Capitu, se é que posso cunhar o termo "vítima" nessa
situação. Mas o fato é que, uma menina-mulher, de olhos de cigana oblíqua e
dissimulada quase me fez mudar os rumos da vida. Foi pivô de um forte abalo
numa relação madura e sólida que tive, e talvez tenha alguma parcela de culpa também
em seu final. Hoje, anos depois de tudo o que aconteceu, ainda me lembro
daqueles olhos e do seu jeito de manipular meu sorriso e enfeitiçar meu
coração; de modo tão suave que eu sequer pudera perceber tamanho era seu poder
de impacto sobre mim.
Mas a verdade é que hoje vivo um
outro lado do Dom Casmurro; já não faço mais a leitura tradicional de que
bentinho seja o marido perfeito amaldiçoado com uma esposa adúltera. Bentinho é,
no frigir dos ovos, um idiota machista de ciúmes possessivos e insanos que só
consegue ver na mulher o que ele mesmo é. Dito isso, amigos, assumo: Bentinho,
hoje, sou eu.
Sou casado com uma mulher
maravilhosa. Linda, inteligente, carinhosa, independente e de sucesso. Todos
esses atributos pra mim eram suas melhores características, e foi por eles que
eu me apaixonei quando a escolhi pra mãe dos meus filhos. Mas parece que eles
viraram ao avesso, e cada uma dessas qualidades agora tem sua conotação
negativa, e eu honestamente não estou sabendo lidar com isso.
Eu sei que ela é linda, mas
porque tinha que ser tanto? Os caras olham, né, comentam, e quem sabe até jogam
uma piadinha ou outra quando eu não tô por perto. Fico num curto-circuito-ciumático
interno quando ela sai sozinha e eu fico em casa porque tenho que trabalhar no
dia seguinte. A cabeça pensa tanta besteira que eu tomo até remédio pra dormir
logo. Porque tão inteligente? As vezes eu reclamo de alguma coisa,
absolutamente convicto da minha razão, e depois de ouvi-la por 3 minutos me
sinto um completo imbecil por ter dito o que disse e pensado o que pensei. Ela
é carinhosa, e eu gosto disso, mas é até demais! Podia ser só comigo, mas
porque tem que ser com os amigos também? Eles estão bem, não precisa ligar pra
saber. Se tiverem algum problema, deixe que eles resolvam sozinhos ou com suas
devidas namoradas, ou sei lá o quê, não precisa dar colinho e cafuné. Não
precisa abraçar demais, sair todo dia pra tomar café ou cozinhar o prato que
ele gosta pra janta quando ele vem pra comer. Isso ainda não entra na minha
cabeça como normal, e acho que não vai entrar nunca.
E olha que eu não falei da independência,
porque se isso foi um dia algo que me brilharam os olhos por ela, hoje faz a
minha cabeça fritar. Eu sei que ela me ama, mas não depende de mim pra nada, e
não sei se isso tá certo. Talvez seja porque em muitos momentos necessito que
ela esteja comigo, pra me ajudar, me aconselhar bem, me ajudar na decisão a ser
tomada, ou qualquer outra coisa do cotidiano normal, mas pra ela eu sirvo no
máximo pra esquentar o edredom na hora do filme e pro sexo
matinal de todo dia.
Talvez eu esteja exagerando. Bom
eu acho que no fundo estou exagerando... mas esse processo me vem de forma
natural, e justamente porque faço nela uma projeção de mim mesmo. E aí está o
problema de toda essa situação de merda. Tenho ciúme das cantadas que ela leva,
porque já levei algumas e o resultado foi sexo. Minhas vísceras dão um nó por
dentro quando ela curte a night sozinha porque já cansei de ver meus amigos e
minhas amigas traírem o namorado em ocasiões assim. Já transei com dezenas de
amigas, e não consigo ver a amizade dela com aqueles caras como algo
despretensioso e fraternal (Será que eu tô viajando muito?). Enfim, o problema
da minha visão sobre ela é justamente a minha visão sobre mim mesmo. Sobre como
levei minha vida antes que ela chegasse, e sobre como se desenvolveram as
minhas experiências. Por isso preciso de ajuda. Não quero estragar um casamento
por ser neurótico, alucinado, burro e adúltero. Talvez ela merecesse alguém
melhor do que eu, e é esse cara que eu quero me tornar.
Bom, chega! Era isso. Desabafo
feito. Acho que eu tô enlouquecendo. Aos poucos. Num conflito interno do meu
lado sensato e puro contra minhas concepções sujas e mesquinhas. Acho que
preciso abrir o jogo com ela também. Falar de tudo o que eu disse aqui. Vai ser
importante, né? É, acho que isso pode ser positivo pra nós ...
Mas sabe o que é pior? É que ela
vai me entender, me dar razão, e tentar encontrar um equilíbrio que nos faça
estar bem novamente. Como sempre faz. Vai fazer isso porque ela é foda, e
sempre me surpreende, me ensinando uma lição nova a cada dia. Eu amo aquela
mulher!!! Amo muito. Certamente mais do que esse ciúme-bentinho-insano que tenho por ela e aquele lindo par de peitos.
Matheus Fonseca Pinheiro