segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Esperando na Viela!"



“Hoje faríamos 3 anos juntos. E como quem esperava te ver, talvez, com a esperança de que esta data também fosse importante pra você, voltei àquele lugar onde a gente costumava se encontrar nos sábados às escondidas. Fiquei uma hora e vinte minutos sentado no banco, e quando o sol começou a se pôr eu percebi que você não viria mais...”

Foi dolorida a sensação de entender que você realmente não sente mais nada... eu não estava preparado para isso. Todas as meninas que viravam a esquina em minha direção me pareciam você, num primeiro instante. Como se meu cérebro, por intervenção do inconsciente, te enxergasse em todos os rostos femininos durante o tempo em que fiquei ali esperando. Era agonizante a ansiedade pra te ver. Mas você não deve ter lembrado... afinal, são muitas datas para memorizar, não é?

Você sempre foi melhor do que eu nesse lance de datas comemorativas, mas ainda me lembro de todas: O primeiro encontro, o primeiro beijo, a primeira transa, o primeiro Reveillon... até o primeiro presente. A propósito, ainda é o tênis que eu mais uso, sabia? Você conhecia como ninguém o meu gosto pra roupas. Sabia de cor as minhas preferências. Hoje, acho que não se recorda nem do meu telefone. Mas tudo bem, deve fazer parte da sessão de coisas que você fez questão de esquecer. 

Eu sonhei contigo essa semana e pensei que fosse um sinal do destino pra eu aparecer lá, na viela, como nos velhos tempos, e te encontrar exatamente no dia 8 de agosto. Faria muito sentido. Mas como você mesmo me adjetivava, eu sou apenas um sonhador romântico. Nunca deveria ter ido. Não deveria ter, sequer, acreditado que os sonhos são missionários divinos com a tarefa de fazer com que o destino seja cumprido.

Essa coisa de destino é escrita a lápis e a gente tem borracha, caneta e autonomia para reescrevê-lo da forma que julgar mais conveniente. Você fez isso... reescreveu, mas esqueceu de me comunicar.


Matheus Fonseca Pinheiro

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Carma Hereditário !


(Continuação de "Alice")

Era garota decidida, corajosa, de pensamento forte, mas só do peito pra dentro. Da boca pra fora nunca contestava, nunca questionava, engolia seco tudo o que lhe era imposto. Não se permitia ousar - temia a represália. Sofria calada, chorava em silêncio e morria aos poucos enclausurada dentro de uma casa velha, governada por um monstro que há 5 anos desempregado, fazia da sua vida um verdadeiro inferno.

Por muitos tempo foi assim, até que sabe lá Deus porque, naquela tarde em especial, Alice transbordou. Tinha sido a gota d’água. Não obstante, nada havia acontecido de diferente, o padrasto abusou dela mais uma vez, como costumava fazer várias vezes durante a semana. Mas alguma coisa mudou dentro de Alice ... e enquanto ele saiu para fumar, limpando as lágrimas ela tomou uma decisão: Isso nunca mais aconteceria.
 
Muitas coisas poderiam ter sido feitas, e ela escolheu a mais complicada, mas talvez a única que, de fato, a tornaria livre de todo esse pesadelo. Sua mãe, mulher ingênua e de pouca instrução, não acreditaria em uma palavra caso ela revelasse a verdade, então não adiantava contar. Por um segundo Alice pensou em cometer um homicídio, mas pelo seu irmãozinho de 2 anos, não o fez (afinal, o velho asqueroso era seu pai). Suicídio era a penúltima opção, mas ela tinha sonhos e não abriria mão deles. Decidiu, portanto, fugir levando uma mochila de roupas, sua boneca de pano e o diário secreto.

Deixou um bilhete na mesa para a mãe dizendo que a amava. Amarrou sua pulseira de miçangas no braço do irmão, deixando pra ele uma recordação e saiu pela porta pra nunca mais voltar. Pegou o ônibus na cidade em direção ao Rio de Janeiro. Vendeu balas de dia, pra matar a fome, e dormiu debaixo das marquises à noite, pra se esconder do sereno. Já aos 16 tentou emprego de camelô, mas perdeu seus produtos para a polícia depois de ser espancada por venda ilegal. Virou faxineira de casa de família, mas foi demitida logo em seguida porque se recusou a deitar com o patrão.

Alice sofreu de tudo tentando ser vencedora de sua própria história, mas como quem cumpre uma sina amaldiçoada, dolorosa e tenaz, se transformou em mais uma das tantas meninas que se prostituem no centro de uma das maiores megalópoles nacionais. Cheia de sonhos e planos, nunca conseguiu realizar sequer um deles. Ela é apenas mais uma vítima da vida e do destino. Não é justo que tenha sido assim, ela merecia ao menos uma oportunidade de ter sido feliz.

Não me lembrava dela, até que quando saia de casa semana passada fui abordado por uma moça que se identificou como Alice, minha irmã. Ela trazia um diário para que eu a conhecesse através das linhas dele, e se emocionou quando viu que eu ainda uso a pulseira colorida de miçangas. Ao longo daquele manuscrito eu completava as lacunas da minha vida e via nele um espelho. A cada linha eu odiava mais o meu pai e percebia que não tinha sido o único a sofrer nas mãos dele.

Pode parecer forte demais dizer isso assim, logo no final da história, mas a minha infância com meu pai foi exatamente igual à de Alice. A diferença é que eu não tive coragem pra fugir.

FIM

Matheus Fonseca Pinheiro

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Alice


- (continuação de "Luta ou Fuga?")

Era Alice, o seu nome. Vivia, dentro de seus pensamentos, no país das maravilhas (igualzinha à personagem do Lewis Carroll), mas a vida real era totalmente diferente. Talvez por isso mesmo fosse tão sonhadora, sua realidade a maltratava tanto que os sonhos funcionavam como rota de fuga nos picos de tristeza e solidão. Ela tinha 14, cabelos longos e olhos desconfiados – sorriso amedrontado de quem teme a repressão.

Eram 6:20 da manhã, ela acordava na beira do lago do parque cheia de pedacinhos de grama no vestido e no cabelo. A maquiagem borrara, e ela parecia insegura. Talvez arrependida, por ter dormido fora de casa? Mas levantou e limpou a roupa. Pegou seu diário, pôs debaixo do braço e fez o caminho inverso ao da tarde do dia anterior. Chegando em casa, deu com seu padrasto no quintal. A menina estremeceu inteira ... travou os pés no chão e baixou os olhos. Ele a reparou de baixo em cima e gritou para que entrasse. Ela agarrou o diário contra o peito e entrou quase desesperada.

Sua mãe havia saído para trabalhar e seu irmãozinho ainda dormia no berço.  Alice estava no quarto quando ele apareceu na porta. Era homem de meia idade, aparentava uns 52. Usava barba por fazer e vestia roupas amareladas. Tinha a aparência maltratada, meio suja e a exigia que o chamasse de pai. Ele fitou a menina no canto da cama e deu uma ordem que soaria estranho em qualquer tipo de sociedade. Alice se mantinha imóvel, como se pudesse recusar a proposta. Ele se aproximou dela e a agarrou pelo braço, levantando seu vestido. Ela fazia resistência, mas toda a sua força de nada adiantava. Ele arrancou os tecidos que separavam o corpo dela do seu e iniciou um rito de violência e abuso. Doía no corpo e na alma de Alice.

Quando acabou o ataque ele se vestiu, acendeu um cigarro e saiu para a rua. A menina com vergonha de si mesma e raiva do mundo inteiro, se engasgava com as lágrimas que inundavam seu rosto. Não era a primeira vez que isso acontecia. E muito provavelmente, não seria a última também. O diário trazia consigo segredos de uma infância terrível e demasiadamente sofrida. Era ali onde ela escrevia para expurgar seu ódio e as marcas da sua dor. Mas também era onde registrava seus sonhos e desejos futuros ... era apenas uma menina, como qualquer outra.

Matheus Fonseca Pinheiro