- (continuação de "Luta ou Fuga?")
Era Alice, o seu nome. Vivia, dentro de seus pensamentos, no
país das maravilhas (igualzinha à personagem do Lewis Carroll), mas a vida real
era totalmente diferente. Talvez por isso mesmo fosse tão sonhadora, sua
realidade a maltratava tanto que os sonhos funcionavam como rota de fuga nos
picos de tristeza e solidão. Ela tinha 14, cabelos longos e olhos desconfiados
– sorriso amedrontado de quem teme a repressão.
Eram 6:20 da manhã, ela acordava na beira do lago do parque
cheia de pedacinhos de grama no vestido e no cabelo. A maquiagem borrara, e ela
parecia insegura. Talvez arrependida, por ter dormido fora de casa? Mas
levantou e limpou a roupa. Pegou seu diário, pôs debaixo do braço e fez o
caminho inverso ao da tarde do dia anterior. Chegando em casa, deu com seu
padrasto no quintal. A menina estremeceu inteira ... travou os pés no chão e
baixou os olhos. Ele a reparou de baixo em cima e gritou para que entrasse. Ela
agarrou o diário contra o peito e entrou quase desesperada.
Sua mãe havia saído para trabalhar e seu irmãozinho ainda
dormia no berço. Alice estava no quarto
quando ele apareceu na porta. Era homem de meia idade, aparentava uns 52. Usava
barba por fazer e vestia roupas amareladas. Tinha a aparência maltratada, meio
suja e a exigia que o chamasse de pai. Ele fitou a menina no canto da cama e
deu uma ordem que soaria estranho em qualquer tipo de sociedade. Alice se
mantinha imóvel, como se pudesse recusar a proposta. Ele se aproximou dela e a
agarrou pelo braço, levantando seu vestido. Ela fazia resistência, mas toda a
sua força de nada adiantava. Ele arrancou os tecidos que separavam o corpo dela
do seu e iniciou um rito de violência e abuso. Doía no corpo e na alma de
Alice.
Quando acabou o ataque ele se vestiu, acendeu um cigarro e
saiu para a rua. A menina com vergonha de si mesma e raiva do mundo inteiro, se
engasgava com as lágrimas que inundavam seu rosto. Não era a primeira vez que
isso acontecia. E muito provavelmente, não seria a última também. O diário
trazia consigo segredos de uma infância terrível e demasiadamente sofrida. Era
ali onde ela escrevia para expurgar seu ódio e as marcas da sua dor. Mas também
era onde registrava seus sonhos e desejos futuros ... era apenas uma menina,
como qualquer outra.
Matheus Fonseca Pinheiro
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