Cansei de ser bonzinho.
De querer oferecer sempre o meu melhor. De tentar ser cordial,
romântico, fiel, único.
CHEGA.
Ao invés de pétala, nas rosas eu
quero me tornar o espinho.
Quero ferir, machucar, poder sagrar as
mãos de quem, sempre, pedacinho por pedacinho, foi me desfazendo,
até, após muito sofrimento, me jogar contra a brisa num dolorido
mal-me-quer.
Quero que a ternura
fina e macia da minha pele, como flor, se transforme em pontiagudas e
letais armas de defesa contra os pássaros mal-intencionados, que
apenas interessam-se pelo meu singelo pólen dourado para se
aproveitar da sua nobreza rara.
Esquecerei minhas
raízes de angiosperma para, então, transformar-me em cactácea.
Não mais oferecerei
meu mel e meus frutos, pelo contrário. Me torno neste momento um
vegetal venenoso e com espinhos cortantes, pronto para tragá-la como
fonte de energia fotossintética.
As mentiras, as
traições e as falsidades que me enganaram durante a vida, deram
origem hoje às minhas artérias condutoras de veneno. Meus afagos,
minhas palavras meigas e minha ingenuidade se convertem agora em
espinhos perfurantes, nem um pouco inofensivos. E a energia
necessária para minha fotossíntese vem da glicose retirada do doce
sabor da sua destruição.
Matheus Fonseca Pinheiro
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