Foi como num sonho. O primeiro relâmpago me revelava o seu
corpo inteiro à mostra, debaixo do tom de meia luz esfumaçado que o quarto
oferecia, contribuindo, assim, para a intensificação de sua inegável
sensualidade, que exalava a flor da pele. Os olhos eram tímidos e a boca sorria
apenas pela metade – o equilíbrio perfeito entre o envergonhado e o sedutor.
Sua epiderme parecia mármore de tão clara, tão lisa, tão brilhante e delicada;
tinha gosto de excentricidade e emanava o perfume dos Deuses.
Ela se entregava como se fosse a última vez; e eu a
conduzira como se fosse a primeira. A chuva fazia barulho no telhado e junto
com o "Battle Studies" do John Mayer completava a trilha sonora dos nossos embaraços. O rádio, as cortinas, mas,
sobretudo os lençóis eram testemunhas vivas dos nossos carinhos e dos seus
gemidos; não fazíamos questão de conter nenhum impulso, tudo acontecia
naturalmente e nada era reprimido. Nascemos um pro outro e até ali eu ainda não
tinha descoberto isso.
Após longas horas de total entrega, prazer e delírios, a
noite se aquietou. Vidros embaçados e corpos suados foram as únicas provas remanescentes
de um crime perfeito - mas crimes perfeitos não deixam provas, não é? - Ela
descansava a cabeça no meu peito, exausta; eu ainda estava em êxtase e apenas
afagava os seus cabelos. Talvez a maior prova do crime ainda estivesse por vir,
a consciência pós-ato. Nada negaria a perfeição daquela noite e nenhum Nietziano
ousaria dizer que não era amor, o que acontecia entre aquelas paredes. Entretanto,
segundo o poeta, não existem dois amores. A existência de um, anula o outro - e
é justo que seja assim.
Pois cabe, então, à sua consciência agora, escolher entre a
aventura e o comodismo, entre o destino e a convenção, entre o meu coração
apaixonado e o de quem ela dizia amar até ontem. “As princesas
geralmente são prometidas a um belo cavalheiro, com finos trajes, luvas brancas
e alto conceito social, só que, quase sempre, do lado de fora do castelo existe
um cara que não tem cavalo, nem roupas de seda, mas tem muito mais a oferecer.”
Matheus Fonseca Pinheiro
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