Tarde, outono, 2003. A garota caminhava na calçada. Rua
deserta, era quarta. Burburinhos de crianças brincando, ouvia-se ao longe.
Janelas abertas. Senhoras recolhiam roupas na corda. Ela passava cabeça baixa,
como quem não quer enxergar o que vem pela frente. Levava nas mãos um livro. No
rosto, maquiagem e apatia. O silêncio não a comovia e ela apenas caminhava,
sempre a passos largos. Até que ao cruzamento, parou para atravessar.
Levantou os olhos e avistou a igreja. Capela simples, século
passado. Entrou e ajoelhou-se no último banco, como quem não tem muita
intimidade com o ambiente. Não reparou sequer o interior do lugar. Baixou a
cabeça encostando o queixo no peito e apertou firme, com as duas mãos, o livro
contra o tórax. Balbuciava palavras rápidas como se tivesse pressa, ou angústia
acumulada. Fez cara de choro, mas conteve-se. Minutos depois, levantou.
Só na saída ergueu os olhos ao cristo crucificado no fundo
da capela. Foi em frente ao altar, fez reverência e o sinal da cruz, saindo
pela porta lateral. Desceu a ladeira acompanhando a calçada. Parecia estar
convicta em seu objetivo. Parecia saber bem aonde ia. Aos poucos foi descendo o
gramado do parque da cidade. Corria em direção ao lago. O vento sacudia o
vestido. Sentou a beira da água. Eram 17:45, estava sozinha. Abriu o livro
e começou a escrever.
Não era propriamente um livro, mas um diário. Haviam muitas
páginas escritas. Muito provavelmente, era ela, a protagonista das histórias
retratadas ao longo daquelas tantas linhas. Seria esse seu costume? Sair de
casa a tarde, ir à igreja rezar e depois escrever às margens do lago do parque?
Ou seria esse o motivo de sua fuga?
Acabou de escrever e segurou o manuscrito com a ponta dos
dedos colocando-o entre a grama e a sua cabeça, como travesseiro (...) Fechou
os olhos e adormeceu sobre a relva, às margens do pequenino lago azul.
Matheus Fonseca Pinheiro